Este sítio está destinado a se grilar. Postular sobre os g r i l o s da existência humana. Poetizar e peticionar sobre todos
os assuntos inteligentes que
causam grilos nas pessoas que são de boa fé...


quinta-feira, 7 de julho de 2011

O GRILO E O LARANJAL

 
            O siciliano de olhos claros chegou ao interior de São Paulo, era ainda a década de 1960. Olhou para a imensidão de terras públicas e viu ali um espanhol que se deleitava com a doçura das laranjas por ele mesmo produzidas.
            Deu ordens aos seus acompanhantes que abrissem os travessões por onde passariam as divisas; um verdadeiro vandalismo contra a natureza. Na Sicília era assim: “quem podia mais, chorava menos”.
            Em pouco tempo, o siciliano espantou o espanhol e comprou dele o que tinha construído. A propriedade ganhava evidência e, o nome do siciliano, virava nome de fazenda e fábrica de suco de laranja.
            Cresceram os negócios, mas o siciliano não perdera o antigo hábito da infância: gostava de brincar com grilos. Enquanto os empregados trabalhavam, ele se divertia observando os insetos deslizando pelos armários, escondidos entre os maços de papéis.
            Os empregados experientes alertavam que, uma infestação de grilos era a pior desgraça que poderia ocorrer em uma plantação.
            Mas a informação ao invés de intimidar o siciliano, o encorajava ainda mais. Escolhera dois ou três empregados para localizarem onde os grilos maiores se escondiam; queria pegá-los todos para si.
            No escritório, tratava os seus grilos com papéis. Estes cresciam e se multiplicavam. Quando percebia que a população aumentava, o siciliano mandava soltar os grilos nas fazendas vizinhas, e lá iam eles devorando tudo; um verdadeiro vandalismo contra o direito à propriedade alheia.
            Quando nada mais tinham para comer, os grilos não podiam voltar, porque o siciliano entrava com toneladas de herbicidas; um verdadeiro vandalismo contra a biodiversidade, que os grilos somente tinham uma saída: seguir em frente.
            Uma variedade de grilos inteligentes descobrira um jeito de enganar o siciliano, fazendo tocas. Nem o veneno nem as máquinas potentes conseguiam alcançá-los, pois aprenderam a trafegar em profundidade. A paisagem ficara assim constituída: por cima um imenso laranjal; por baixo uma proliferação de grilos a serem descobertos.
            Uma gincana despertou o interesse da população e todos foram convocados a caçar o maior grilo da região.
            Formaram-se as equipes e saíram a procura do grilo. A equipe de vermelho composta por gente que já havia trabalhado para o siciliano, sabia onde os grilos se escondiam e, numa bela manhã, apareceram acampados esburacando o laranjal a procura do grilo.
            Não demorou, encontraram o bicho. Tinha grandes antenas, asas amareladas, os olhos saltados e as pernas traseiras pareciam os braços de uma máquina escavadora.
            A notícia se espalhou pelo mundo: “Invasão destrói o laranjal”. Não era preciso, mas alguns pés de laranjas haviam sido arrancados para desenterrar o grilo, nada mais. Ninguém ali queria laranjas, queriam o grilo, que por sua vez, se transformaria em prêmio.
            Não teve acerto, o siciliano recorreu à justiça que avaliou o laranjal e não o grilo. A policia foi chamada para reconstituir a ordem e, a equipe de vermelho foi desclassificada por ter ofendido o laranjal. Mas o grilo continua lá; quem conseguir caçá-lo, sem arrancar as laranjeiras, ganhará o prêmio.                                                                   

                                                                                                 Ademar Bogo    

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